O que a lei garante a você?
O Código Civil, no artigo 352, garante ao devedor o direito de escolher qual dívida quer pagar quando tem mais de uma obrigação com o mesmo credor. Isso significa que, se você tem dois contratos com o mesmo banco (um com garantia real, como uma alienação fiduciária de imóvel ou maquinário, e outro sem), você pode escolher quitar aquele que representa maior risco de perda do patrimônio.
Essa escolha deve ser expressa no momento do pagamento. É o que chamamos de direito de imputação do pagamento. Você comunica ao banco, por escrito, que o valor depositado se destina a determinada operação específica. Isso impede que a instituição direcione o dinheiro para outro contrato de forma arbitrária.
Na prática: proteja primeiro o que sustenta sua produção
Em períodos de crise, usar esse direito é uma forma prática de proteger o que foi construído ao longo de anos de trabalho. Dê prioridade às dívidas com garantias reais, como imóveis ou maquinários, pois são elas que podem ser tomadas rapidamente se você atrasar.
Por quê? Porque nas operações com alienação fiduciária, o banco tem o poder de buscar e retomar o bem de forma muito rápida. Não há discussão longa. O credor simplesmente busca o trator, a colheitadeira ou até o imóvel, vende em leilão (muitas vezes abaixo do valor de mercado) e você ainda pode ficar devendo a diferença.
As dívidas sem garantia ou de menor risco podem ser renegociadas depois, dentro de um plano mais amplo de reestruturação. O importante é preservar o coração do seu negócio: a terra, as máquinas, os animais.
Como fazer isso na prática:
1. Identifique suas dívidas
Classifique quais têm garantia real (alienação fiduciária, hipoteca, penhor) e quais não têm com o mesmo credor.
2. Comunique sua escolha por escrito
Ao fazer um pagamento, informe ao banco (e-mail, mensagem, carta com protocolo) que o valor se destina à operação específica (número do contrato).
Exemplo de comunicação:
“Informo que o valor de R$ [valor] depositado nesta data se destina exclusivamente ao pagamento da parcela do contrato nº [número], referente ao financiamento com alienação fiduciária de [bem]. Solicito que seja respeitado o meu direito de imputação do pagamento, conforme artigo 352 do Código Civil.”
3. Guarde o comprovante
Mantenha o comprovante do depósito junto com a comunicação enviada ao banco. Esse registro é sua proteção.
Atenção: instituições que agem fora da lei
Aqui vai um alerta importante: algumas instituições têm descumprido esse direito e redirecionado pagamentos sem autorização, para depois alegar inadimplência. Isso é ilegal.
- a) Guarde tudo: comprovantes de depósito, e-mails, mensagens, prints de conversas, protocolos de atendimento.
- b) Não aceite imposições: você tem o direito de escolher qual dívida pagar.
- c) Procure assessoria jurídica imediatamente: o Judiciário tem reconhecido esse tipo de abuso e determinado a suspensão de atos que possam causar a perda do patrimônio.
Muitos produtores já conseguiram, na Justiça, impedir leilões de bens, suspender buscas e apreensões e até reverter situações de inadimplência forçada por esse tipo de conduta arbitrária dos bancos.
O que você precisa lembrar
Em tempos difíceis, escolher qual dívida pagar não é apenas uma decisão financeira: é um ato de proteção jurídica. Use esse direito com consciência, registre suas decisões por escrito e não aceite imposições fora da lei.
O crédito rural existe para sustentar o produtor e fortalecer o campo. Não para ameaçar o patrimônio de quem trabalha a terra. Quando a crise chega, conhecer seus direitos pode ser a diferença entre preservar o negócio ou perder tudo.
E lembre-se: buscar orientação jurídica não é fraqueza. É prudência. É cuidar do que é seu com a mesma seriedade com que você cuida da sua lavoura ou do seu rebanho.
Leandro Amaral
Advogado com atuação especializada no Agronegócio desde 2004;
Com atuação destacada em crédito rural, recuperação judicial de produtores e reestruturação de dívidas agrícolas